Já no século XX, encontramos outro grande missionário italiano que carismaticamente conquistaria multidões de fiéis por todo nordeste brasileiro. Trata-se de Frei Damião de Bozzano, vindo para o convento da Penha em 1931, Recife, onde iniciaria um incansável trabalho missionário. O exímio pregador se tornaria venerado em inúmeras peregrinações onde destacava a importância da luta contra tudo aquilo que afastasse os fiéis da igreja.
O frade capuchinho revigoraria o sentimento religioso disseminado pelos seus primeiros irmãos de ordem que em Bom Jardim estiveram de 1874 a 1876, sempre acompanhado pelo seu devotado amigo Frei Fernando, juntos alcançaram um grande prestígio e admiração de toda população. A figura de Frei Damião representava para a mentalidade popular a solução permanente das enfermidades e o auxílio aos mais necessitados. Esses fatores contribuíam para as mais diversas reações, multidões se deslocavam de suas respectivas localidades para contemplá-lo, junto aos bonjardinenses aglomerados nas estreitas vielas da cidade. O cotidiano se transforma novamente, inerente ao embalo das regressas missões.
Para compreender melhor estas reações populares, o sentido que resultava em tamanha admiração é que, Frei Damião, se tornaria o novo substrato religioso devido à morte do Padre Cícero Romão Batista, o até então “messias” do povo nordestino. O fato é que o capuchinho italiano seria o sucessor das providências, capaz de realizar milagres e proclamar conselhos durante suas peregrinações.
Gigantescas manifestações populares acompanhavam seus trajetos, alegando está diante de um legitimo santo, que cativava e prezava pela conduta social baseada na fé. Sua marca registrada era a proximidade com o povo, isso fez de suas missões verdadeiros atos festivos, que modificavam o cotidiano social. O povo se trajava especialmente para a ocasião, pequenos comércios eram revitalizados, ambulantes que comercializavam artigos religiosos eram atraídos visando lucrar com a ocasião, tudo aquilo que ainda se perpetua nas tradicionais festividades religiosas dos municípios interioranos.
As missões capuchinhas também eram algo que proporcionava evidentes ganhos espirituais e materiais para a população, os milagres eram fatos constatados pelas testemunhas que presenciavam fervorosamente suas visitas pastorais. Na perspectiva antropológica as manifestações humanas decorrentes dos atos religiosos visam à transcendência, que transpõe o aparente, encontrando soluções pelo simples ato da convicção do crer. E esse sentido tem sido cada vez mais dissoluto com o avanço da modernidade racionalista.
O caráter “transcendente” foi algo vivenciado nas missões de Frei Damião em Bom Jardim, o princípio da fé conduzia um grande número de fiéis até o religioso, atraídos pela sua fama de operar milagres físicos e até no domínio de fenômenos naturais. O padre e sociólogo Francisco de Assis Magalhães Rocha descreve um milagre de caráter natural ocorrido no município, partindo do depoimento de um agricultor que testemunhou o fato.
“No momento em que a multidão se dirigia à estação para se despedir do frade, houve ventos e chuvas muito fortes. Na ocasião, o capuchinho teria recomendado em alta voz que ninguém saísse para não se molhar e adoecer. Então teria feito um gesto com as mãos, para que o vento e a chuva mudassem de rota.”
Muitos cidadãos atribuem milagres inexplicáveis ao missionário, inclusive a cura de uma mulher que aparentemente padecia de transtorno mental, “teria ele colocado as mãos sobre sua cabeça e recomendado seu retorno para casa plenamente restabelecida.”.
A segurança religiosa que o capuchinho transmitia, era resultado de uma rígida formação conservadora, despertava o ardor fervoroso dos fiéis adeptos do tradicionalismo, buscando preservar a igreja anterior ao Concílio Vaticano II que introduziu mudanças divergentes ao conservadorismo católico.
As pregações a moda antiga de Frei Damião causava inquietude entre os bonjardinenses, resultado de um método pautado nos princípios teológicos do Concílio de Trento, que estima pelos valores da fé e disciplina da igreja. Em suas visitas ao município, aproximou o povo de uma vivência qualitativamente sacramental: casamentos, confissões, distribuição de comunhão, batizados, pregações, missas e conversões, proporcionavam um intenso movimento espiritual entre os habitantes sensibilizados pela intensidade do espírito religioso das santas missões. O fascínio pelas suas ações pastorais está presente nos diversos depoimentos populares, até mesmo quando a graça não se alcançava.
“Levei minha filha enferma até Frei Damião quando se encontrava pregando em Bom Jardim, para que ele pudesse abençoá-la com vosso divino poder, derramando graças. Mas não foi possível que ela restabelecesse sua saúde, chegando a falecer. Encontro-me conformada, Deus levou minha filha e a mesma foi abençoada pelo divino Frei Damião.” (JANE DA COSTA ARRUDA)
A idolatria dos fiéis sempre foi algo insistentemente polêmico, porém o frade elucidava que todos os aparentes benefícios era resultado da fé pessoal, do crer em Deus. E complementa dizendo que “os milagres só chegam para aqueles que tem fé. Não há milagres para quem não acredita no Senhor.”. O frade era suficientemente realista nesse critério, exortava qualquer tipo de fanatismo atrelado a sua pessoalidade evangelizadora. (continua...)
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